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quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

2017 e a vida padrão do trintão de classe média

Em 2017 completei 30 anos e, talvez por ser uma marca simbólica na vida de qualquer pessoa, passei a prestar mais atenção no que está acontecendo ao meu redor.

Eu não sei em que fase da vida vocês leitores se encontram, mas no meu caso de recém-trintão o que aconteceu foi o seguinte: 

Quem namorava noivou e postou nas redes sociais a "foto das mãozinhas" seguida de um discursinho emocionado sobre como estão ansiosos para começar essa nova jornada.

Vi bastante essa foto em 2017.
Quem estava noivo casou, com direito a festa chique que deve ter custado algo entre R$70k e R$ 100k, e depois disso foram passar a lua de mel onde todo mundo passa lua de mel (Aruba, Curacao, Paris etc).

Outra foto que vi bastante em 2017. Uma pose-padrão que todo fotógrafo de casamento manda o noivo fazer.
Muita gente trocou um hatch por um sedã, afinal você tem 30 anos e além de sentir que merece um possante, não custa nada mostrar para a sociedade que você está bem de vida e é capaz de parcelar um carro em 30x, não é verdade?

Investe num Corolla 2018, você merece.
Quem está casado anunciou gravidez e fez "chá revelação" pra revelar pra todo mundo o sexo do bebê. 

O tal do "chá de revelação", mais uma ótima ideia pra tirar dinheiro de trouxa
Quem estava grávida pariu uma criança e deu um nome da moda tipo Enzo, Téo, Ravi e Valentina.

Quem já tinha parido há meses pagou um fotógrafo para registrar o pequeno Enzo socando um bolo ("smash the cake"), afinal você tem que ter uma foto do seu príncipe cagado no chantily. 

Agora tenho essa foto super original do meu Enzo destruindo a porra toda
Quem pariu um Enzo em 2016 pagou entre R$ 10 e 15 mil para alugar um cerimonial infantil e fazer a festa temática/gourmet de 1 aninho do príncipe. 

Com um ano de idade o príncipe Enzo tem o grau de consciência de um couve-flor e não vai guardar qualquer memória do evento, mas é importante investir numa festinha de R$ 15k pro seu pequenino, afinal todos os amiguinhos do seu Enzo tiveram uma festinha também. 

Fui em duas festas com o tema circo
Essa é a fase da vida em que me encontro, e esse é o script que todo mundo está seguindo.

Quando digo todo mundo, refiro-me à bolha em que vivo: trintões de classe média em uma determinada localização geográfica do Brasil. 

Pode ser que você não viva nessa realidade e não se identifique com o post de hoje, mas tudo bem, eu só queria dizer o que testemunhei em 2017 mesmo.

Me pergunto o que diabos faz os meus contemporâneos e conterrâneos seguirem um mesmo script. Ou eles têm medo da liberdade e encontram conforto numa vida "control c control v", ou eles nem percebem que estão vivendo uma "vida padrão", o que é ótimo pro fotógrafo, pro cerimonialista, pro agente de viagens e outros vendedores de experiências "únicas".


2017 serviu para confirmar um sentimento que eu já tinha dentro de mim: eu não quero seguir esse script. Não tenho um plano 100% definido pra minha vida, mas certamente não vai consistir em ficar pagando caro por experiências padronizadas.

Não fiz o post pra ofender casados, papais e mamães. Um dia provavelmente casarei e botarei Madruguenzo no mundo. É do script caro e escroto que estou reclamando no post de hoje, o qual eu vou me opor com bastante gosto quando se minha hora chegar.

E vocês, amigos, também percebem esses padrões na vida alheia? Como se sentem em relação a isso? 

Aquele abraço!

quinta-feira, 13 de julho de 2017

Na barbearia gourmetizada

Moro relativamente perto de uma universidade e todo começo de semestre acontece a mesma coisa: calouros recém-aprovados no vestibular tomam as ruas pedindo grana nos sinais e vendendo rifas, tudo com o intuito de juntar dinheiro e promover festas.

Festinhas universitárias regadas a muita paquera e azaração
No começo do mês passado estava andando rumo ao trabalho e fui cercado por cinco calouras. Elas queriam me vender rifas e usar meu suado dinheiro para financiar suas festinhas espúrias em que alguém sempre termina hospitalizado pra tomar glicose para não entrar em coma alcoólico.

Ostentei meu poderio econômico ao pagar dois reais em uma rifa e as jovens saíram do meu caminho.

Cheguei no trabalho, parei para prestar atenção na rifa e vi que eu estava concorrendo a cinco prêmios diferentes, sendo o melhor deles uma bicicleta, e o pior deles um voucher para fazer cabelo e barba de graça numa barbearia "gourmetizada".

Enfiei a rifa nas profundezas de uma gaveta e esqueci desse assunto, até que no fim do mês passado recebi uma ligação de um estranho que me deu a boa notícia: o número da minha rifa foi sorteado e eu ganhei o tal voucher da barbearia.

Essa é a maior sorte que tive em um sorteio desde que ganhei um CD do É o Tchan no Havaí em 1998, então fiquei levemente satisfeito por ter sido contemplado, mesmo que com o pior dos prêmios disponíveis.

Em 1998 ganhei esse CD. Em 2017 ganhei corte de cabelo e barba. A sorte está crescendo exponencialmente e em 2036 ganharei R$ 50,00 na raspadinha da lotérica.
Pra fazer bom uso do voucher, deixei o cabelo e barba crescerem o máximo que pude, pra chegar na barbearia com aparência do Tom Hanks naquele filme "O Náufrago".

Como eu queria chegar na barbearia
Essa é uma daquelas barbearias "gourmetizadas" que toda cidade grande tem, criadas para serem "espaços exclusivos para homens", um espaço masculino onde você pode beber cerveja artesanal ao som de blues enquanto folheia uma playboy, tudo meticulosamente planejado pra fazer o cliente se sentir especial.

É um lugar muito diferente da barbearia que eu frequento, que é um muquifo onde o dono cobra tão barato pelo corte de cabelo que ele precisa dirigir Uber na madrugada para conseguir equilibrar as contas.

E lá fui eu, pela primeira vez, rumo à barbearia gourmetizada
Cheguei lá e fui recepcionado por um cara de suspensórios e barba de lenhador, um típico hipster que expressa sua individualidade se vestindo igual a todos os outros hipsters.

Falei que ganhei um voucher na rifa e os demais hipsters que trabalhavam no recinto vieram me cumprimentar com um falso entusiasmo de doer o coração.

"Primeira vez aqui, bróder?", "Quer uma gelada?", "Senta aí, bróder, a gente já vai te atender! Quer a senha do Wifi?".

Sentei num sofá e, na falta de coisa melhor pra fazer, fiquei observando o ambiente.



A primeira coisa que me chamou a atenção, além do ambiente vintage, foi uma placa com o preço dos serviços. Corte de cabelo com tesoura + barba totalizavam R$ 100,00. Isso mesmo, amigos, 100 joesleys para cortar cabelo e barba. Ainda bem que eu tinha o voucher.

Depois disso prestei atenção na conversa entre os clientes e os hipsters que cortavam seus cabelos: "Corolla é melhor que Civic", "o segredo da boa cerveja artesanal está na acidez do lúpulo", "eu trabalho numa plataforma e chefio uma equipe de 80 homens". Só papo de homem de sucesso. 

Chegou minha vez de ser atendido e o mesmo hipster que me recepcionou passou a cortar meu cabelo.

"Curtiu o espaço, bróder?"

"Sim, legal, só o preço assustou um pouco".

"Bróder, sobre o preço... aqui tem todo um conceito, você trabalhou o dia todo, quer um lugar pra relaxar, você chega aqui, senta no sofá, toma uma gelada, ouve uma música, recebe um tratamento especial, joga conversa fora, é toda uma experiência, não é um salão comum igual esses que tem por aí, aqui tem esse lance da experiência".

A tal da experiência que supostamente justifica o preço dos salões gourmetizados para homens

Concordei com o cabeleireiro hipster em nome da diplomacia, afinal estava ganhando corte de cabelo e barba de graça, então achei mais sensato usufruir do serviço sem ficar contrariando o camarada.

Cabelo cortado e barba feita, me preparei para ir embora e o hipster perguntou se eu ia voltar no mês que vem para cortar de novo. Eu respondi que ia voltar assim que ganhasse outro voucher, ele riu achando que era piada, eu me despedi e fui embora.

Adeus para sempre, barbearia gourmetizada
Fui andando pra casa pensando nesse lance da experiência.

Toda cidade grande já tem as suas barbearias gourmetizadas para homens, o que é um forte indício de que muita gente quer sim viver a tal da experiência que esses locais oferecem.

Paga-se o dobro, talvez o triplo do preço, pra sentar num sofá estilizado em um ambiente vintage, comprar uma cerveja a preço extorsivo e ficar lá se sentindo mais másculo enquanto relaxa com os miguxos do clube do bolinha.

Gourmetizaram a barbearia para atender à demanda de homens que precisam se sentir especiais até mesmo na hora de cortar o cabelo.

Amigo, é só cabelo! Você chega, corta, paga e vai embora. Que carência é essa que a galera está sentindo pra pagar mais caro pra transformar algo tão simples numa "experiência masculina"?

Isso me parece apenas mais uma armadilha pra pegar dinheiro de trouxa. Algo não muito diferente de pipoca gourmet, Uber Select e outras coisas inventadas para fazer a rapaziada gastar uma grana a mais em algo que eles atingiriam o mesmo resultado final se tivessem pago mais barato, tudo isso só pra se sentir diferenciado, especial, nobre, refinado ou qualquer outro sentimento que eu não sei explicar qual é.

Aquele abraço! 

quinta-feira, 6 de julho de 2017

Crônicas da Matrix Financeira: Vanessa, a advogada

No post "Crônicas da Matrix Financeira: Vanessa, a assessora" eu contei para vocês sobre uma jovem moça que conseguiu um cargo comissionado em um órgão público que lhe pagava uma bela remuneração entre R$ 7 e R$ 8 mil mensais para cumprir uma carga horária de 35 horas semanais.

Com muita pressa em mostrar ao mundo seu novo poder aquisitivo, Vanessa mergulhou de cabeça na inflação do padrão de vida e saiu da casa dos pais para morar sozinha, comprou um carro 0 Km, comprou dezenas de roupas caras exibidas com orgulho nas redes sociais com a hashtag #lookdodia, frequentou restaurantes caros para compartilhar no Instagram foto dos pratos que pedia, enfim, toda aquela mediocridade e necessidade de auto-afirmação que todos nós já conhecemos muito bem. 

O revés veio quando o cara que nomeou Vanessa para o cargo comissionado morreu e foi substituído por um outro cara, que imediatamente exonerou todos os comissionados indicados pelo falecido, inclusive ela.

Como cargo comissionado não tem direito trabalhista e Vanessa em momento algum achou que fazer uma reserva de emergência seria uma boa ideia, ela ficou completamente desamparada quando foi para o olho da rua, tendo que voltar a morar com os pais, que assumiram todas as despesas da filha, inclusive as parcelas do carro, gasolina, seguro, vida social etc.

Esse foi um breve resumo do post "Vanessa, a assessora" apenas para refrescar a memória, e agora podemos finamente falar sobre o post de hoje: 

Crônicas da Matrix Financeira: Vanessa, a advogada

Assim que foi pro olho da rua e viu sua vida de "jovem de sucesso" desmoronar, Vanessa voltou a morar com os pais e assumiu o rótulo de concurseira. 

Como eu tive a oportunidade de mencionar no post "Crianças de 30 anos", estudar para concurso é uma atividade válida, mas o que não falta por aí é vagabundo se autodenominando concurseiro para esconder da sociedade o fato de que não faz nada de produtivo o dia todo.

Vanessa estudando para concursos
Vanessa não precisou fingir por muito tempo que era concurseira, pois logo no começo de 2017 conseguiu um trabalho como advogada em um escritório de advocacia gigante, desses que tem centenas de advogados e cuida de milhares de processos defendendo empresas de telefonia. 

Esse trabalho não era tão "glorioso" quanto o cargo comissionado que ela outrora ocupou, pois a remuneração era baixa (menos de R$ 1.800,00/mês) e a carga horária era alta (44 horas semanais), algo bastante comum no super prostituído mundo da advocacia.

Nem por isso Vanessa perdeu a pose, e recheou seu Facebook com selfies dentro do carro a caminho do trabalho, selfies no escritório pela manhã sempre com um copo da Starbucks estrategicamente posicionado para mostrar ao mundo como ela é cosmopolita.

Dentro e fora das redes sociais, a imagem que Vanessa queria passar era de advogada de sucesso. Enchia o peito para dizer que era chefe de uma equipe, postava fotos para mostrar que trabalhava até tarde da noite, postava foto presenteando a "equipe" com chocolate para mostrar que era uma boa chefe e por aí vai.

Já que a vida de servidora pública do alto escalão não deu certo, Vanessa assumiu a identidade de business woman cosmopolita
Quem conhece os bastidores sabe bem que a vida que Vanessa projetava para os outros era uma mentira.

Seu salário era pífio, suas horas extras aconteciam contra sua vontade, a "equipe" que ela comandava consistia em um estagiário, o cargo de "chefe" que ela usava para se referir a si própria era puro delírio, e sua situação financeira era de semi-dependência dos pais (ela bancava gasolina, seguro do carro e vida social, enquanto os pais bancavam moradia, alimentação, plano de saúde, financiamento do carro e basicamente todo o resto).

Ainda assim, o importante para Vanessa era manter a pose de "pessoa que tem tudo sob o controle" e de "profissional insubstituível", então publicamente ela agia como se adorasse aquilo tudo.

O trabalho de escravogada durou até agora, e no começo da semana passada ela foi dispensada do escritório em que trabalhava, por algum motivo que eu não sei qual é.

Para agravar a situação, Vanessa foi dispensada sem direito a nenhuma verba trabalhista pois ela estava contratada como advogada associada, que é uma figura que consegue ter menos direito trabalhista que um boliviano em regime de semi-escravidão.

Com a súbita dispensa e sem dinheiro no bolso, Vanessa confessou para a prima dela (vulgo minha namorada) que tem uma dívida de R$ 14 mil no cartão de crédito, que ela vinha refinanciado no crédito rotativo pagando sempre o mínimo todo santo mês, e que agora ela está pagando parcelado.

Como Vanessa não queria que seus pais descobrissem que essa dívida existe, ela pediu dinheiro emprestado à minha namorada para que conseguisse continuar pagando as parcelas.

A Madruguete quis minha opinião sobre o assunto e eu fiz uma longa exposição que pode ser resumida em "não empresta senão vai dar merda", e felizmente ela me escutou, então provavelmente Vanessa vai acabar jogando mais essa despesa nas costas dos pais.

O curioso é que, mesmo demitida e tendo acabado de mendigar dinheiro emprestado para pagar uma dívida de 14 mil joesleys, ontem mesmo Vanessa orgulhosamente compartilhou para a sua prima que estava comprando roupas e, quando descobriu que havia um desconto de 10% para compras acima de R$ 200,00, levou uma bermuda a mais, alcançou os R$ 200,00 e obteve o desconto em questão.

Parabéns pela economia, campeã.

Vou esperar o tempo passar e quanto tiver mais assunto escreverei a parte 3 dessa história. Pelo andar da carruagem, não vejo um futuro dos mais brilhantes para essa menina, rs.

Aquele abraço!

segunda-feira, 5 de junho de 2017

Presentear e ser presenteado

Quanto mais penso no assunto, menos me agrada a convenção social de dar e receber presentes em datas comemorativas (aniversário, natal etc), ou em eventos do tipo amigo oculto (amigo secreto, amigo x, ou seja lá qual nome é usado aí no lugar em que você vive).

O que era um momento mágico durante a infância veio se transformando em um fardo na vida adulta, e não somente por conta do dinheiro que se gasta.

O principal motivo da minha implicância é que não vejo correlação entre comprar presente e demonstrar estima e consideração à pessoa presenteada. Claro que eu sei que quem me presenteia está na melhor das intenções, mas não sinto que era necessário comprar alguma coisa para demonstrar isso.

Se uma pessoa que você gosta está fazendo aniversário, por exemplo, você deve lembrar da data e desejar com sinceridade que ela seja feliz e que viva por muitos anos. Por algum motivo obscuro e para a alegria dos lojistas, convencionou-se que isso não é o suficiente, e que você deve também ir no Shopping para comprar algum troço para essa pessoa.
"Te considero pra caramba, toma aqui um sapatênis" (!?)
Tenho dificuldade em entender como a monetização da relação entre o presenteante e o presenteado em datas pré-estabelecidas contribui de alguma forma para o fortalecimento dos laços entre essas pessoas.

E acreditem se quiser, também não gosto de ganhar presente.

Não gosto pois nesse mundo não há ninguém mais qualificado que eu para saber o que eu quero comprar ou não. 

Assim sendo, se eu prezo por uma pessoa, não quero que ela perca tempo e dinheiro indo comprar alguma coisa pra mim, até porque existe uma possibilidade bem grande de acabar comprando algo que eu já tenho ou que não faria a menor questão de ter.

"Ah, Madruga, mas pelo menos você ganha o presente de graça, então não reclama!"

Ganho mesmo? Será?

A convenção social de presentear outra pessoa em datas comemorativas vem com um dever de reciprocidade embutido: se Catiúcia te deu um sapatênis de R$ 118,50 no seu aniversário, você fica com um dever moral de presenteá-la em valor semelhante quando o dia dela chegar.

A não ser que Catiúcia morra ou você ligue o foda-se pra convenção social em algum momento, o que você ganha de presente acaba se transformando em um dever/compromisso futuro de gastar dinheiro presenteado a pessoa que te presenteou.

No fim das contas, com esse lance de trocar presentes você acaba ficando no zero a zero, ou talvez pior que isso, pois existe sempre um risco de você ganhar um presente que não te agrada, ou de dar um presente que não agradou a pessoa.

Nessas duas hipóteses há perda de valor e desperdício de dinheiro, pois você gastou R$ 150 e a pessoa sente que aquilo não vale nem R$ 50, ou a pessoa gastou R$ 100 e você já se imagina vendendo aquilo na OLX por R$ 25. 

"Nossa. Obrigada. Adorei."
"Madruga, pra evitar desgosto eu digo pra pessoa exatamente o que eu quero ganhar de presente e vice-versa" 

De fato essa é uma boa estratégia para evitar ganhar presente ruim ou inútil, mas analisando friamente, isso nada mais é do que vocês emprestarem dinheiro um para o outro. No seu dia você quer X e ela banca, no dia dela ela quer Y e você banca.

Existe solução?

Pra evitar todo tipo de rusga que pode decorrer das situações narradas neste post, convencionei com as pessoas próximas um pacto em que ninguém me dá presente e eu não presenteio ninguém.

Devo dizer que tá todo mundo bem satisfeito com o pacto em questão, e ninguém gosta menos um do outro por conta disso. Pelo contrário, cada um tirou dos ombros o peso de gastar dinheiro, de perder tempo caçando presente e de sentir dúvida se o presente agradará ou não.

Claro que isso só se aplica às pessoas próximas com quem tive intimidade pra tratar desse assunto. Ainda estou sujeito às convenções sociais de presentear pessoas não tão próximas, o que diga-se de passagem acontece com mais frequência do que eu gostaria.

E vocês, pessoal, o que pensam disso? Como lidam com esse tipo de coisa? 

Aquele abraço!

quinta-feira, 25 de maio de 2017

Independência financeira "extrema"

Fala, galera, como estão todos?

Sumi um pouco do blog pois vim visitar minha mãe aqui nos confins do Brasil e não trouxe meu Notebook.

Sem nada melhor pra fazer aqui na casa da minha querida mamãe, resolvi ler o livro do blogueiro gringo Early Retirement Extreme.

Fiquei tão impressionado com o livro que resolvi escrever o post de hoje pelo celular mesmo.

Vou chamar o blogueiro em questão de Jacob daqui pra frente, pois ficar repetindo "Early Retirement Extreme" ao longo do post vai me cansar os dedos.

Jacob mora nos EUA e alcançou a independência financeira aos 30 anos de idade, tendo parado de trabalhar para viver de renda aos 33.

Para alcançar essa meta, ele seguiu a fórmula que todos nós já conhecemos muito bem: criou uma renda passiva que supera com segurança suas despesas.

O que me impressionou no Jacob é que, para criar esse "gap" entre renda passiva e despesas, ele reduziu pra caralho as despesas, num nível que podemos chamar de extremo (talvez isso explique o nome do blog dele - Early Retirement Extreme).

Vejam só: Jacob mora dentro de um trailer de vinte e poucos metros quadrados, não tem carro, não tem televisão, fabrica os próprios itens de higiene pessoal e limpeza, tenta conservar as mesmas roupas por mais de uma década e planta muito do que come.

Ele defende no livro que é possível viver bem com 1/3 ou 1/4 do que uma pessoa de classe média gasta sem passar necessidades/viver na pobreza.

Considerando que um custo de vida baixo é aliado da aposentadoria precoce, pergunto: o que você está disposto a fazer para alcançar sua independência financeira mais rápido?

O estilo de vida do Jacob me parece bem extremo e até mesmo impraticável (quem arrisca morar num trailer aqui no Brasil?), então a conclusão que cheguei é que não conseguiria ser feliz ou me sentir seguro levando a vida que ele leva.

Por mais que eu não compreenda como é possível ser feliz da forma que ele vive, sei bem que é possível ser feliz com pouca coisa.

Não tenho carro, moro num apartamento pequeno e tenho uma despesa mensal bem baixa. Estou longe de ser extremo como o Jacob, e acho que nem desejo ser, mas sou extremo o suficiente aos olhos de muita gente.

Eu vivo feliz dessa forma, acreditem se quiser, mas é claro que recebo olhares tortos de gente que acredita que, para eu "ajeitar minha vida", deveria liquidar meus bens, comprar um HB20 e alugar um apê de 3 quartos.

É que, nessa faixa etária que me encontro (+- 30 anos), tá todo mundo deslumbrado com o próprio poder aquisitivo e seguindo fielmente o script da inflação do padrão de vida.

Então por mais que eu não me identifique com o extremismo do Jacob, consegui me identificar com ele até certo ponto, e o livro me instigou a me perguntar o que mais posso fazer para reduzir minhas despesas.

E vocês, colegas, costumam pensar sobre isso?

O que acham da ideia de viver uma vida simples, fora do padrão de ostentação que faz a alegria dos vendedores de carros, imóveis e roupas caras?
O que vocês estão dispostos a abrir mão para alcançar a IF mais rápido?

Estão satisfeitos com suas despesas mensais?

Viver uma vida simples seria um sacrifício para vocês?

Aquele abraço!


quarta-feira, 12 de abril de 2017

Crônicas da Matrix Finaneira: o Polegar descontrolado

No longínquo ano de 1989, começou a fazer sucesso no Brasil uma boy band adolescente chamada Polegar, composta por esses rapazes na imagem abaixo:

Veja só que merda.
Eu era só um bebê e não tenho lembrança alguma dos acontecimentos, mas o fato é que a boy band em questão fez sucesso por alguns anos, até que todo mundo cansou de olhar pra cara de bosta deles e o grupo caiu no esquecimento.

Fiz uma extensa pesquisa de quarenta segundos lendo a Wikipedia e vi que alguns integrantes da banda se deram bem na vida e outros nem tanto.

Não sei quem é quem na foto acima, mas o fato é que um deles virou médico, outro virou delegado de polícia e um outro virou músico profissional. Na lista dos que se deram mal, um deles virou viciado em crack e o outro... bom, o outro virou O POLEGAR DESCONTROLADO, assunto do post de hoje.

Aí está ele: o Polegar descontrolado
Depois de décadas escondido nas profundezas do anonimato, o Polegar descontrolado reapareceu no noticiário nacional em abril de 2014, quando declarou ao jornal "O Dia" que não tinha dinheiro nem para comer.

Vale transcrever uma pequena parte da entrevista, que já nos dá uma ideia da situação deplorável em que o sujeito se encontrava naquela época:
Como está sua situação atual?
Eu me encontro numa situação de desespero. Estou longe da minha cidade, não tenho os meus pais vivos, estou afundado em dívidas e sem saber a quem recorrer. Devo R$ 45 mil de empréstimo ao banco, estou R$ 12 mil negativo, tenho duas pensões alimentícias em aberto desde dezembro, tenho as prestações do meu carro atrasadas que já somam R$ 50 mil, além do aluguel do meu restaurante em Mogi das Cruzes, que está atrasado há quatro meses.

Você tem quantos filhos? 
Tenho três. Priscila, de 23 anos, que é fruto de uma única noite e, até hoje, não tenho certeza se é realmente minha filha; Larissa, de 16 anos, e João Pedro, de 5, que foi um ‘acidente’.
Apesar da situação dramática, o Polegar descontrolado dirigia por aí um SUV (aquele Santa Fe, da Hyundai) e morava sozinho em uma casa de 3 quartos, piscina e o caralho a quatro em Taubaté.

Mas o fato é que, sabe-se lá como, fãs e amigos do Polegar descontrolado se comoveram com o drama, e por isso ele recebeu algumas doações para tentar colocar a vida nos eixos.
Depois de passar 2015 e a maior parte de 2016 fora dos noticiários, eis que o Polegar descontrolado ressurgiu novamente na imprensa nacional, no fim do ano passado, dessa vez porque quase morreu ao ser espancado pelo próprio cunhado. 

Isso deve ter doído
E agora, em abril de 2017, já recuperado da surra, nosso amigo surge novamente nos meios de comunicação, dessa vez dizendo dever mais de R$ 400 mil a bancos, aluguel, pensão alimentícia etc, até pro padeiro o cara deve dinheiro.

Mais uma vez ele pede ajuda a quem quer que queira ajudá-lo e considera suicídio como uma opção caso não consiga reverter sua situação. 

Não sei que fim esse cara vai levar, mas você há de convir comigo que o futuro dele não parece muito promissor, já que a dívida só aumenta e o mimimi comove cada vez menos gente.


Resolvi tirar alguns minutos do dia para escrever sobre o Polegar descontrolado pois ele é um belo exemplo a não ser seguido por nós, futuros milionários.

Ele é um escravo da inflação do padrão de vida, um procriador irresponsável, um vitimista convicto e um completo inepto no trato com o dinheiro.

Ele é, acima de tudo, o rei das escolhas erradas, e a prova viva do que imaturidade emocional e financeira podem causar na vida de uma pessoa.

Aquele abraço!

sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Crônicas da matrix financeira: Vanessa, a assessora

Convivo com bastante gente que tem entre 25 e 30 anos, e essa é uma faixa etária bem propícia para observar como a corrida dos ratos/matrix financeira se desenvolve e domina a vida das pessoas.

O caso que contarei hoje envolve pessoa de meu convívio que se jogou sem o menor pudor na matrix financeira, desfrutando de todos os prazeres de curto prazo que a gastança descomedida tem a oferecer. 

Sem mais delongas, vamos ao primeiro post da série "Crônicas da matrix financeira":

Vanessa, a assessora

Vanessa se formou em direito e se deparou com um mercado de trabalho saturadíssimo, com milhares de advogados dispostos a aceitar qualquer esmola para conseguir um cliente.

Concurso público também não era uma opção imediata para Vanessa, afinal, há milhares de bacharéis em direito se digladiando por vagas em todo e qualquer concurso que aparece pela frente.

Quantidade de pessoas que se formam em direito no Brasil todos os dias
Depois de dois anos trabalhando em um escritório de advocacia que lhe pagava míseros R$ 1.600/mês, Vanessa tirou uma bela carta da manga: foi até o Tribunal, se encontrou com o Desembargador para o qual ela estagiou durante os tempos de faculdade e implorou por um cargo comissionado.

E não é que deu certo? Alguns dias após o fatídico encontro com o Desembargador, Vanessa já ostentava em seu perfil do Facebook a sua função de "Assessora Jurídica de Nível Superior", um cargo comissionado no Tribunal que, segundo fiquei sabendo, paga algo entre R$ 7 e R$ 8 mil.

Deslumbrada com seu novo poder aquisitivo, Vanessa decidiu que precisava de vestes mais condignas com sua nova função, razão pela qual se encheu de camisas da Les Chemises, Dudalina, Lacoste, maquiagem cara e sabe-se lá mais o quê. 

Decidiu também que uma Assessora Jurídica de Nível Superior não deveria ficar andando por aí de ônibus, e por isso fez um financiamento e adquiriu um Onix 0km completo, com todos os tipos de acessórios e firulas imagináveis e inimagináveis.

Agora sim. 
Com uma remuneração digna de respeito, Vanessa decidiu dar mais um passo rumo à independência pessoal e, aos 26 anos, saiu da casa dos pais e alugou um apartamento de dois quartos num bairro boêmio aqui da cidade, fazendo uma obra aqui e outra ali para deixar o apê "com a sua cara".

Além de ostentar o cargo de "Assessora Jurídica de Nível Superior", seu perfil do Facebook passou a ser preenchido com selfies tiradas dentro de seu novo carro, selfies na frente do espelho mostrando o "look do dia", selfies em Búzios no feriadão, em Arraial no fim de semana ma-ra-vi-lho-so com as amigas, foto de pratos elegantes com cortes de carnes argentinas, e por aí vai.

Ela se esforçava para mostrar ao mundo que se deu bem na vida, e o mundo respondia com curtidas, seguidas e comentários genéricos.

"Look do dia" (foto aleatória tirada do Google Imagens)
No meio de 2016, Vanessa, a prima dela (que por acaso é minha namorada) e eu estávamos em um bar, quando a jovem Assessora soltou a trágica notícia: seu chefe, o Desembargador, tirou licença para tratar de um câncer

Felizmente o câncer foi descoberto em estágio inicial, e mais felizmente ainda o magistrado estava combatendo a doença em um renomado hospital paulista, então não havia motivo para entrar em pânico, disse Vanessa.

Eu respondi que realmente não era motivo para pânico, mas que ela poderia começar a guardar dinheiro, pois nunca se sabe o dia de amanhã, ainda mais em se tratando de câncer, e uma eventual morte do Desembargador significaria que ela seria exonerada de seu amado cargo de Assessora.

Vanessa ficou claramente ofendida quando mencionei a possibilidade de perder o emprego, e começou a listar seus atributos profissionais que lhe tornam insubstituível na estrutura do Tribunal.

Na visão distorcida de uma menina que realmente acha que seu trabalho é o mais importante do universo, o Poder Judiciário implodiria e mergulharia em caos caso ela fosse exonerada.

Como reajo toda vez que alguém se diz insubstituível
Alguns meses depois disso o Desembargador faleceu, sendo substituído por um outro magistrado recém-promovido. O novo Desembargador mandou exonerar a grande maioria dos assessores que integravam o gabinete do falecido, e dentre os demitidos se encontrava Vanessa.

Vanessa foi para o olho da rua sem fazer jus a direitos trabalhistas como seguro-desemprego ou FGTS + multa, pois seu cargo é de livre nomeação e exoneração, sem qualquer vínculo de emprego.

Como tentativa de garantir um ganha pão, Vanessa distribuiu seu currículo para todos os Desembargadores do Tribunal, para o Ministério Público e para a Assembleia Legislativa, uma estratégia que posteriormente se revelou inútil, pois ninguém mais lhe procurou.

Como a fonte de renda secou e não havia perspectiva de melhora, Vanessa teve que desocupar o apartamento que alugava, pagando multa pela desocupação antecipada e voltando a morar com os pais.

Além disso, não tinha mais bufunfa para honrar com o financiamento do carro, e por isso seu pai assumiu tal despesa.

O bom e velho "pai"trocínio
Para não ficar feio perante a sociedade, Vanessa diz que, após a morte do Desembargador, recebeu outras ofertas de trabalho, mas resolveu recusá-las para se dedicar aos concursos públicos. É mentira.

Hoje nossa ex-assessora se diz concurseira, depende 100% dos pais, vive reclamando para a minha namorada que não tem dinheiro para nada e diz que pretende fazer mestrado na Europa, muito embora todo mundo na família saiba que ela não tem a menor condição financeira de estudar no exterior.

Alguns dias atrás minha namorada trouxe Vanessa para visitar meu recém-adquirido apartamento, e a ex-assessora soltou um "nossa, que apê pequeno, não sei se conseguiria morar aqui não".

Essa crítica entrou por um ouvido e saiu pelo outro, pois pequena é a mente da pessoa que passa 13 meses ganhando R$ 7 mil por mês e não consegue construir absolutamente nada de positivo, muito pelo contrário, tem que recorrer ao pai para pagar o saldo devedor remanescente do financiamento do passivo ambulante.

Que essa história sirva de motivação para que entremos em 2017 ainda mais focados na nossa busca pela independência financeira.

Acredito que este será o último post do ano, então desejo a todos feliz natal e próspero ano novo!

Aquele abraço!

quinta-feira, 21 de julho de 2016

Inflação do padrão de vida e efeito Diderot

É curioso como a corrida dos ratos (ou matrix financeira, ou qualquer outra denominação que você preferir) vai sorrateiramente dominando a vida das pessoas sem que elas ao menos percebam o que está acontecendo.

A idade em que me encontro - quase 30 anos - tem me permitido assistir de camarote como pessoas da minha faixa etária vão lentamente entrando nessa dança de gastar o que ganham sem grandes preocupações.

O fenômeno inicia quando, depois de alguns anos no mercado de trabalho, o jovem adulto finalmente começa a ganhar uma remuneração que considera digna.

É nesse momento que a grande maioria das pessoas, deslumbradas com um poder de compra que nunca tiveram, querem experimentar o melhor que sua nova capacidade financeira pode oferecer, e ao proceder dessa forma entram numa espiral de consumo geralmente sem saída.

Mas não se trata apenas de uma questão de experimentar o melhor: o brasileiro médio sente uma necessidade enorme de se exibir perante terceiros, e está mais do que disposto a pagar caro pra "mostrar que está bem".

Como eu vejo o Facebook: "Olá amigos. Eu tô bem. Comentem com os outros sobre como minha vida é maravilhosa, por favor. E deem like na minha foto".
Postar seu extrato bancário no seu perfil do Facebook só faria você se passar por doido, então a forma "socialmente adequada" de massagear seu próprio ego perante terceiros não é mostrando que você tem dinheiro em espécie, e sim transformando a grana em bens materiais, como uma camisa de R$ 400,00, um carro de R$ 80 mil e ingressos de R$ 150,00 para baladinhas caras, para o deleite dos fabricantes de camisa, das montadoras e dos organizadores de festinhas.

A busca por mais conforto, o vício nos pequenos prazeres de curto prazo e a necessidade de se exibir para os outros encarece e muito o custo de vida - é a famosa "inflação do padrão de vida" - e quando a pessoa se dá conta, o que ela enxerga como sua própria vida envolve uma estrutura muito cara de se manter.


Um exemplo bem interessante da inflação do padrão de vida vem de 247 anos atrás, quando o filósofo francês Diderot escreveu um pequeno texto intitulado "Regrets on Parting with My Old Dressing Gown".

Como o texto em questão é chato pra cacete, eu prefiro resumir pra vocês do que recomendar que vocês leiam por conta própria:

Diderot estava feliz com o seu roupão velho e surrado, até que foi presenteado com um novo roupão de altíssimo nível.

"Tô chique pra caralho com esse novo roupão", pensou Diderot
Olhando ao seu redor, Diderot se deu conta de que, comparado ao seu elegantíssimo roupão novo, todas os bens dentro de sua quitinete pareciam uma grande bosta.

Sentindo-se mal por estar vestindo um roupão aristocrático enquanto vivia num cafofo cheio de móveis comidos de cupim, nosso amigo Diderot foi na Tok&Stok e comprou novos móveis, além de ter ido nas Lojas Americanas comprar novas panelas e outros utensílios domésticos.

O texto termina com Diderot se lamentando sobre como essa sua nova postura lhe entupiu de dívidas, e a conclusão apenas reforça o que ele afirma logo no começo do texto: que ele era o mestre de seu roupão velho, mas se tornou um escravo do seu novo roupão.

Botando a firula de lado, o que Diderot quis dizer é que antes ele controlava sua própria vida, mas depois se tornou escravo do novo padrão que passou a ostentar, já que manter esse padrão custa caro e lhe endivida.

Esse conto é legal porque a grande maioria das pessoas são vítimas do efeito Diderot: vão introduzindo bens cada vez mais sofisticados em sua vida, e quando menos se dão conta estão numa espiral de consumo que, como eu disse antes, costuma ser um caminho sem volta.

Para explicar de forma bem didática porque a inflação do padrão de vida costuma ser um caminho sem volta, permitam-me contar para vocês uma história real:

Uma vez um conhecido me disse: "Madruga, não tenho mais de onde cortar despesas, onde dava pra cortar eu já cortei".

Conhecendo bem a pessoa, eu poderia ter respondido: "Tem tanta despesa que você pode cortar que eu nem sei por onde começar. Troque Sky por Netflix, venda um de seus carros, venda sua moto, demita sua empregada, mande seu filho arranjar um estágio, mude para um prédio em que a taxa condominial não seja R$ 1.000,00/mês".

Essa resposta ficou só no meu pensamento. Tomado pelo bom senso, limitei-me a dizer: "pois é, não tá fácil pra ninguém", primeiro porque não queria me meter na vida dele, segundo porque o alto padrão de vida está tão fundido com a identidade dele, que ele sequer consegue enxergar aquilo tudo como despesas passíveis de serem cortadas, embora na minha perspectiva ele tivesse coisa de sobra para cortar.

"Já cortei todas as despesas possíveis"
É aí que tá o problema: o seu padrão de vida se confunde com sua identidade, e abrir mão do "padrão conquistado" traz abalo psicológico para a maioria das pessoas, que se enxergam nas posses que têm.

Agora eu lhes pergunto: a pessoa que inflou o padrão de vida está melhor do que a pessoa que não inflou, inclusive em termos de conforto? Aos olhos da sociedade a resposta é "sim, com certeza!", mas com base em uma visão mais racional, a resposta correta é não necessariamente.

Digo isso pois, pensando em termos de bem-estar, uma pessoa que mora num apartamento de 50 m² com móveis de segunda mão pode estar se sentindo bem melhor do que uma pessoa que mora em um apartamento de 150 m² com móveis planejados, por mais que a princípio isso pareça um contrassenso.

Não é um contrassenso pois a sensação de bem-estar é interior, e há quem tenha se programado para morar pequeno e esteja se sentindo bem melhor com isso do que a pessoa que inflou o padrão de vida.

Outro detalhe curioso é que, ao inflar seu padrão de vida, você tende a se sentir recompensado no curto prazo, mas no longo prazo você se acostuma com tudo que "conquistou", e ao se acostumar as suas "conquistas" não te impressionam tanto assim.

A título de exemplo: minha empresa tem uma vista privilegiadíssima, ao ponto dos clientes que aparecem por lá sempre ficarem impressionados e quererem tirar foto, inclusive conheço duas pessoas que usam fotos da vista da janela da minha empresa como wallpaper de celular.

Eu tenho consciência de que a vista é privilegiada, mas depois de cinco anos convivendo com ela é exatamente assim que me sinto toda vez que alguém aparece e solta um "caramba, que vista!":


É dizer que, mesmo tendo uma vista privilegiada no meu local de trabalho, anos convivendo com aquilo tiraram qualquer sensação de empolgação que existia dentro de mim, e o mesmo acontece com qualquer coisa relativa à inflação do padrão de vida: quando você acostuma com o padrão mais alto, a tendência é que a graça vá embora, embora o custo permaneça.

A minha vida enquanto ser produtivo tem sido uma verdadeira renúncia à inflação do padrão de vida. Desde que comecei a ganhar algum dinheiro, não busquei nada além de um teto para dormir, computador com internet e livros, isso sem a sensação de que estou fazendo um grande sacrifício.

Tirando as pequenas encrencas do dia-a-dia, eu sinto um bem-estar muito grande com a vida que levo, e posso garantir pra vocês que alguém com um padrão de vida 10 vezes maior que o meu não necessariamente está sentindo 10 vezes mais sensação de bem-estar que eu, pois não é assim que a coisa toda funciona.

Então minha dica aos amigos da blogosfera é: sempre procurem o bem-estar, mas façam isso sabendo que ele não necessariamente se encontra vinculado a um aumento no "padrão de vida", e se você sentir bem-estar sem se submeter ao efeito Diderot, você tende a ser recompensado em termos de acúmulo patrimonial.

Por fim, devo dizer que não estou de forma alguma propondo que você viva como um mendigo enquanto destina todo o seu salário à Nossa Senhora do Aporte, mas sim que pense, e pense muito, sobre a real necessidade de cada coisa que você pretende adquirir, e que reflita bastante sobre as suas necessidades, pois frequentemente mentimos para nós mesmos ao dizer que precisamos de algo só para comprar.

Aquele abraço!

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

O preço da sofisticação

Poderia usar centenas de exemplos diferentes, mas vou direto ao mais icônico deles: 

O vinho
Nunca tive muito gosto por vinho e nunca fiz questão de ter. Coloque uma taça de vinho de R$ 20 na minha frente e outra taça com um vinho de R$ 5 mil que eu vou provar os dois sem saber identificar qual é o barato e qual é o caro.

Algumas pessoas próximas a mim eram exatamente como eu no que tange ao vinho até o ano passado, mas resolveram se aprofundar na enologia (é o estudo do vinho) e foram se especializando cada vez mais no assunto.

Enquanto para mim vinho continuou tendo o mesmo gosto que sempre teve (vinho tem gosto de vinho, veja só você), para eles o vinho X passou a ser intragável "por ser emadeirado demais", o vinho Y passou a ser "enjoativo após a segunda taça, por ser frutado demais", o vinho Z passou a ser abaunilhado, defumado, rugoso, tanino, condimentado, amanteigado (?), amendoado, aveludado (!?), aviadado, cassis, carnoso etc e tem seu gosto acentuado se acompanhado de cordeiro assado em forno a lenha ao molho pesto.

Dá aquela analisada pra mostrar que você entende
Com esse refino todo, os vinhos de preços acessíveis que essas pessoas apreciavam foram saindo de cena, pois o aprofundamento no assunto fez com que elas fossem em busca de outros mais adequados aos seus paladares refinados, que não por coincidência são mais caros também. 

Hoje em dia essas pessoas raramente gastam menos de R$ 100 numa garrafa; ocasionalmente se decepcionam com alguma compra por não atender às expectativas; um deles criou um complexo de Edemar Cid Ferreira antes da falência e mantém em casa uma adega "com mais de R$ 5 mil em vinho" acoplada a um gerador de energia para caso ocorra queda de luz.

Sobre isso, eu tenho a dizer o seguinte:

Em um passado não muito distante, essas pessoas eram felizes tomando garrafa de Santa Helena comprada por R$ 28 no supermercado mais próximo.

Por opção própria, foram se tornando cada vez mais exigentes no que tange à bebida em questão, de modo que agora só alcançam a felicidade que sentiam antes se pagarem mais caro. 

Vocês acham que eles se tornaram mais felizes do que eram antes? Certamente no começo dessa "nova aventura gustativa" eles sentiram uma euforia maior, como se algo interessante estivesse sendo agregado à vida deles, mas, ultrapassada a fase da empolgação, só restou a eles as mesmas felicidades e infelicidades que existiam anteriormente, com a ressalva de que agora eles têm que pagar mais caro para se sentir bem, ao menos no que tange ao consumo de vinho.

Esse é um fenômeno que acontece não só com o vinho, mas também em variadas situações: as pessoas se sentem eufóricas com a possibilidade de "aumentar o padrão" de algum aspecto da vida deles, a empolgação com a novidade se esgota após certo tempo, o clima de normalidade volta a imperar, mas no fim o que sobra é a necessidade de bancar um padrão de vida mais caro, com a sensação de que diminuir esse padrão seria uma espécie de retrocesso.

Sofisticar cada vez mais
Como agravante, tem-se o fato de que a maioria das pessoas entram nessa dança bastante influenciadas por fatores exógenos: paga-se caro para atender as expectativas alheias.

Há um conceito dominante de gosto/estética que todo mundo tenta seguir - e isso é assunto para um post específico -, mas financeiramente falando é melhor que você não entre nesse jogo.

É possível que seu prato favorito de R$ 15 lhe traga mais prazer do que o prato favorito de R$ 300 do seu amigo punheteiro-gastronômico que se acha jurado do Masterchef. A mesma lógica se aplica ao vinho, ao tamanho da sua casa, ao que você consome ou deixar de consumir em geral.

Quanto mais simples forem seus hábitos de consumo, mais rápido você está propenso a deixar a corrida dos ratos. Ao se falar em "hábitos simples", automaticamente pensamos em algo pejorativo como pobreza, falta de instrução/estudo, no favelado ou no Raimundo do sertão, a demonstrar como o conceito dominante de gosto/estética está impregnado em nossas vidas.

Simplicidade nem de longe é sinônimo de pobreza e privação, embora exista toda uma ideologia feita para nos convencer do contrário, reproduzida por todos como se verdade fosse no interesse exclusivo dos que embolsam seu dinheiro na hora de lhe vender o "alto padrão".

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

O estranho conceito de zerar a vida

Mês passado um brasileiro de 18 anos que está fazendo intercâmbio na Austrália foi a primeira pessoa no mundo a comprar o recém-lançado Iphone 6S Plus.

Para conseguir esse feito, nosso jovem compatriota acampou durante cinco dias na frente da loja da Apple em Sidney. Assim que a loja abriu, ele entrou lá desesperadamente para pagar o equivalente a R$ 4,2 mil pelo novo telefone.

Durante seus quinze minutos segundos de fama, o sujeito declarou que por conta de tal proeza ele tinha "zerado a vida". Quem quiser saber mais sobre esse relevantíssimo acontecimento pode clicar aqui ou aqui.

O cara que "zerou a vida
"É só um menino de 18 anos queimando o dinheiro do pai", você pode estar pensando.

Concordo com esse pensamento, mas o fato é que esse fetiche que tanta gente tem pela Apple é um fenômeno mundial e que independe de idade.

Mas enfim, o post de hoje não será sobre o moleque da foto acima, nem sobre a Apple em específico, mas sim sobre a ideia de consumo como um todo, e sobre como grande parte das pessoas não se dá ao trabalho de refletir sobre questão tão importante.

Podemos começar nossa reflexão sobre o consumo? Podemos, mas não sem antes sentir mais uma dose de vergonha alheia proporcionada por outro Apple-maníaco:

AI MEU DEUS, COMO É BOM GASTAR DINHEIRO
Há uns 90 anos atrás, na aurora de nossa sociedade de consumo, as maiores fabricantes de lâmpadas do mundo (dentre elas General Electric e Philips) firmaram um contrato em que definiram que as lâmpadas não deveriam durar mais de 1.000 horas.

Considerando que naquela época já era perfeitamente possível fabricar lâmpadas que duravam mais de 2.500 horas, fica fácil deduzir que o acordo em questão tinha o intuito de fazer as pessoas comprarem mais lâmpadas.

Esse é tido como o primeiro caso documentalmente provado de obsolescência programada, em que o fabricante intencionalmente cria um produto programado para pifar ou se tornar menos funcional depois de determinado período de tempo.

Hoje em dia a obsolescência programada não é novidade para ninguém, estando mais presente do que nunca em itens tecnológicos (aquele seu notebook que começou a superaquecer, seu tablet cuja bateria foi pro brejo, seu celular que não suporta mais o sistema operacional do momento).

Embora a obsolescência programada ainda esteja presente nos dias de hoje, o fato é que de 90 anos pra cá surgiram estratégias mais sofisticadas para fazer o povo consumir como se não houvesse amanhã.

Descobriram, por exemplo, que era possível aplicar a psicanálise à publicidade, estimulando nas pessoas desejos e sentimento de recompensa, bem como plantando conceitos no inconsciente coletivo.

O pioneiro da psicanálise aplicada à publicidade foi um cara chamado Edward Bernays, sobrinho de Freud, que fez fortuna ao enfiar na mente dos homens de sua época que cigarro era símbolo de virilidade, ao mesmo tempo em que popularizava o fumo entre as mulheres como um sinônimo de independência feminina (dois conceitos completamente diferentes, mas isso pouco importa para quem estiver vendendo o produto).

Propaganda de 1949: pode fumar, amigão, seu dentista recomenda.
Mas vamos deixar o fumo de lado, pois a maioria das pessoas que está lendo este post não vivenciou os tempos áureos do cigarro (também não vivenciei), para tratar de um exemplo mais atual: carro.

Conseguiram, ao menos aqui no Brasil, convencer praticamente todo mundo que carro é sinônimo de sucesso, de poder econômico, que não dá pra viver sem carro, que quem não tem carro é pobre, que "brasileiro é apaixonado por carro", enfim, um monte de coisas que se tornaram dogmas incontestáveis no inconsciente coletivo nacional.

Eu sei bem que todo mundo tem 300 argumentos na ponta da língua para justificar a necessidade do carro, o que estou criticando acima é o pensamento "ou você tem carro ou você é um fudido", como se não existisse a opção de viver bem sem carro (existe essa opção, acredite se quiser).

Como carro é um tema que faria este post 10 quilômetros mais longo, vou passar para outros exemplos da atualidade: os dois mongóis nas fotos do início deste post, fazendo cara de "melhor dia da minha vida!!" pois compraram um celular que sairá de linha em seis meses, ou o cara que paga R$ 400 numa camisa da Dudalina "por causa do status, né brother?".

Se você torra seu suado dinheiro unicamente por causa do status ou por impulso, meus parabéns, você pensa da forma que querem que você pense e é a ovelha que querem que você seja, algo não muito diferente de quem passa na frente da vitrine da sapataria, não se contêm e sai de lá carregado de sacolas.

"Se entendermos o mecanismo e as motivações do pensamento coletivo, será possível controlar as massas de acordo com nossa vontade sem que elas saibam" - Edward Bernays (tradução livre)
Já entenderam o mecanismo em questão há muito tempo e a frase acima citada vem sendo posta em prática há várias décadas, de modo que hoje em dia nos identificamos com o conceito dominante de "necessidade" sem ao menos perceber. Que conceito dominante é esse? É a "criação organizada da insatisfação" descrita por Charles Kettering em 1929: é preciso plantar a insatisfação na mente das pessoas, pois se todos estivessem satisfeitos, ninguém compraria nada novo.

Sem percebermos, somos constantemente estimulados, voluntariamente por publicitários e involuntariamente pelas massas, a sentir insatisfação pelo que temos e querer trocar o antigo pelo novo. 

Você certamente faz um bem danado para a economia quando consome impensadamente, mas você também pode fazer um bem para economia (e para você mesmo) ao, em vez de consumir, aplicar seu dinheiro em renda fixa, FIIs, ações e dezenas de outras opções.

O fato é que, ao menos durante essa fase de acúmulo de capital em que o pessoal da blogosfera de finanças se encontra, quanto menos manipulável você for, maior sua chance de escapar da corrida dos ratos.

A questão é: o que fazer?

Usar o cérebro é uma opção

Como o problema não é o consumo em si, mas sim o consumo não precedido de reflexão, sugiro o seguinte: 

1ª dica: respeite o "gap" entre a vontade de comprar e a compra

A exemplo do sistema de "1 click to buy" iniciado pela Amazon e presente em grande parte dos sites, uma técnica de venda comum é diminuir o lapso temporal entre a vontade de comprar e a compra propriamente dita, por um motivo muito simples: quanto menos você pensar depois que bate aquela vontade de comprar, mais suscetível você está a acabar comprando. A primeira dica, portanto, é PENSE. Exclua o "gostei-comprei" da sua vida e tenha um momento de reflexão toda vez que você sentir vontade de comprar alguma coisa.

2ª dica: faça uma avaliação sincera sobre a necessidade da compra

"Eu vou usar esse troço regularmente?", "qual a chance dessa compra acabar abandonada num canto da casa?", "eu tenho uma necessidade genuína de comprar esse negócio ou é só para pagar de fodão perante terceiros?", "eu terei gastos adicionais com essa compra?", "eu sou tão impulsivo quanto um consumista dentro de uma loja de sapatos?", dentre outras perguntas.

3ª dica: troque o prazer em consumir pelo prazer em ver seu patrimônio crescer

Em vez de sentir prazer em ver seu dinheiro virando um monte de tralhas, que tal sentir prazer em ver o dinheiro virando mais dinheiro? Se a mágica dos juros compostos não te convence, eu sinceramente não sei  o que mais te convenceria.

Conclusão:

Sua busca pela independência financeira definitivamente será mais difícil se você não se desapegar do consumismo desenfreado praticado pelo brasileiro-médio. 

Esse desapego não é uma questão de sofrer por querer um Iphone 6S Plus e não tê-lo, mas sim desenvolver dentro de si mesmo um sentimento legítimo de que você não precisa de quinquilharias para se sentir bem.

Desenvolver esse sentimento te ajuda inclusive a alcançar a IF mais cedo, pois quanto mais lixo você quiser, mais capital terá que acumular para viver de renda passiva.

Desapega, meu amigo, e acumula capital enquanto seus pares estão lá tentando mostrar um pro outro como eles são a personificação do sucesso financeiro. 

Quando você parar de trabalhar para viver de renda passiva, a turma da ostentação vai perceber na hora que você zerou a vida e que está tarde demais para eles alcançarem o que você alcançou.

Cortei metade deste post fora para diminuir o tamanho (e mesmo assim ficou grande), então peço desculpas se algumas coisas que escrevi ficaram estranhas ou fora de contexto.

Aquele abraço!
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