Poderia usar centenas de exemplos diferentes, mas vou direto ao mais icônico deles:
O vinho |
Nunca tive muito gosto por vinho e nunca fiz questão de ter. Coloque uma taça de vinho de R$ 20 na minha frente e outra taça com um vinho de R$ 5 mil que eu vou provar os dois sem saber identificar qual é o barato e qual é o caro.
Algumas pessoas próximas a mim eram exatamente como eu no que tange ao vinho até o ano passado, mas resolveram se aprofundar na enologia (é o estudo do vinho) e foram se especializando cada vez mais no assunto.
Enquanto para mim vinho continuou tendo o mesmo gosto que sempre teve (vinho tem gosto de vinho, veja só você), para eles o vinho X passou a ser intragável "por ser emadeirado demais", o vinho Y passou a ser "enjoativo após a segunda taça, por ser frutado demais", o vinho Z passou a ser abaunilhado, defumado, rugoso, tanino, condimentado, amanteigado (?), amendoado, aveludado (!?), aviadado, cassis, carnoso etc e tem seu gosto acentuado se acompanhado de cordeiro assado em forno a lenha ao molho pesto.
Dá aquela analisada pra mostrar que você entende |
Com esse refino todo, os vinhos de preços acessíveis que essas pessoas apreciavam foram saindo de cena, pois o aprofundamento no assunto fez com que elas fossem em busca de outros mais adequados aos seus paladares refinados, que não por coincidência são mais caros também.
Hoje em dia essas pessoas raramente gastam menos de R$ 100 numa garrafa; ocasionalmente se decepcionam com alguma compra por não atender às expectativas; um deles criou um complexo de Edemar Cid Ferreira antes da falência e mantém em casa uma adega "com mais de R$ 5 mil em vinho" acoplada a um gerador de energia para caso ocorra queda de luz.
Sobre isso, eu tenho a dizer o seguinte:
Em um passado não muito distante, essas pessoas eram felizes tomando garrafa de Santa Helena comprada por R$ 28 no supermercado mais próximo.
Por opção própria, foram se tornando cada vez mais exigentes no que tange à bebida em questão, de modo que agora só alcançam a felicidade que sentiam antes se pagarem mais caro.
Vocês acham que eles se tornaram mais felizes do que eram antes? Certamente no começo dessa "nova aventura gustativa" eles sentiram uma euforia maior, como se algo interessante estivesse sendo agregado à vida deles, mas, ultrapassada a fase da empolgação, só restou a eles as mesmas felicidades e infelicidades que existiam anteriormente, com a ressalva de que agora eles têm que pagar mais caro para se sentir bem, ao menos no que tange ao consumo de vinho.
Esse é um fenômeno que acontece não só com o vinho, mas também em variadas situações: as pessoas se sentem eufóricas com a possibilidade de "aumentar o padrão" de algum aspecto da vida deles, a empolgação com a novidade se esgota após certo tempo, o clima de normalidade volta a imperar, mas no fim o que sobra é a necessidade de bancar um padrão de vida mais caro, com a sensação de que diminuir esse padrão seria uma espécie de retrocesso.
Como agravante, tem-se o fato de que a maioria das pessoas entram nessa dança bastante influenciadas por fatores exógenos: paga-se caro para atender as expectativas alheias.
Há um conceito dominante de gosto/estética que todo mundo tenta seguir - e isso é assunto para um post específico -, mas financeiramente falando é melhor que você não entre nesse jogo.
É possível que seu prato favorito de R$ 15 lhe traga mais prazer do que o prato favorito de R$ 300 do seu amigo punheteiro-gastronômico que se acha jurado do Masterchef. A mesma lógica se aplica ao vinho, ao tamanho da sua casa, ao que você consome ou deixar de consumir em geral.
Quanto mais simples forem seus hábitos de consumo, mais rápido você está propenso a deixar a corrida dos ratos. Ao se falar em "hábitos simples", automaticamente pensamos em algo pejorativo como pobreza, falta de instrução/estudo, no favelado ou no Raimundo do sertão, a demonstrar como o conceito dominante de gosto/estética está impregnado em nossas vidas.
Simplicidade nem de longe é sinônimo de pobreza e privação, embora exista toda uma ideologia feita para nos convencer do contrário, reproduzida por todos como se verdade fosse no interesse exclusivo dos que embolsam seu dinheiro na hora de lhe vender o "alto padrão".
Esse é um fenômeno que acontece não só com o vinho, mas também em variadas situações: as pessoas se sentem eufóricas com a possibilidade de "aumentar o padrão" de algum aspecto da vida deles, a empolgação com a novidade se esgota após certo tempo, o clima de normalidade volta a imperar, mas no fim o que sobra é a necessidade de bancar um padrão de vida mais caro, com a sensação de que diminuir esse padrão seria uma espécie de retrocesso.
Sofisticar cada vez mais |
Há um conceito dominante de gosto/estética que todo mundo tenta seguir - e isso é assunto para um post específico -, mas financeiramente falando é melhor que você não entre nesse jogo.
É possível que seu prato favorito de R$ 15 lhe traga mais prazer do que o prato favorito de R$ 300 do seu amigo punheteiro-gastronômico que se acha jurado do Masterchef. A mesma lógica se aplica ao vinho, ao tamanho da sua casa, ao que você consome ou deixar de consumir em geral.
Quanto mais simples forem seus hábitos de consumo, mais rápido você está propenso a deixar a corrida dos ratos. Ao se falar em "hábitos simples", automaticamente pensamos em algo pejorativo como pobreza, falta de instrução/estudo, no favelado ou no Raimundo do sertão, a demonstrar como o conceito dominante de gosto/estética está impregnado em nossas vidas.
Simplicidade nem de longe é sinônimo de pobreza e privação, embora exista toda uma ideologia feita para nos convencer do contrário, reproduzida por todos como se verdade fosse no interesse exclusivo dos que embolsam seu dinheiro na hora de lhe vender o "alto padrão".