Convivo com bastante gente que tem entre 25 e 30 anos, e essa é uma faixa etária bem propícia para observar como a corrida dos ratos/matrix financeira se desenvolve e domina a vida das pessoas.
O caso que contarei hoje envolve pessoa de meu convívio que se jogou sem o menor pudor na matrix financeira, desfrutando de todos os prazeres de curto prazo que a gastança descomedida tem a oferecer.
Sem mais delongas, vamos ao primeiro post da série "Crônicas da matrix financeira":
Vanessa, a assessora
Vanessa se formou em direito e se deparou com um mercado de trabalho saturadíssimo, com milhares de advogados dispostos a aceitar qualquer esmola para conseguir um cliente.
Concurso público também não era uma opção imediata para Vanessa, afinal, há milhares de bacharéis em direito se digladiando por vagas em todo e qualquer concurso que aparece pela frente.
Quantidade de pessoas que se formam em direito no Brasil todos os dias |
Depois de dois anos trabalhando em um escritório de advocacia que lhe pagava míseros R$ 1.600/mês, Vanessa tirou uma bela carta da manga: foi até o Tribunal, se encontrou com o Desembargador para o qual ela estagiou durante os tempos de faculdade e implorou por um cargo comissionado.
E não é que deu certo? Alguns dias após o fatídico encontro com o Desembargador, Vanessa já ostentava em seu perfil do Facebook a sua função de "Assessora Jurídica de Nível Superior", um cargo comissionado no Tribunal que, segundo fiquei sabendo, paga algo entre R$ 7 e R$ 8 mil.
Deslumbrada com seu novo poder aquisitivo, Vanessa decidiu que precisava de vestes mais condignas com sua nova função, razão pela qual se encheu de camisas da Les Chemises, Dudalina, Lacoste, maquiagem cara e sabe-se lá mais o quê.
Decidiu também que uma Assessora Jurídica de Nível Superior não deveria ficar andando por aí de ônibus, e por isso fez um financiamento e adquiriu um Onix 0km completo, com todos os tipos de acessórios e firulas imagináveis e inimagináveis.
Agora sim. |
Com uma remuneração digna de respeito, Vanessa decidiu dar mais um passo rumo à independência pessoal e, aos 26 anos, saiu da casa dos pais e alugou um apartamento de dois quartos num bairro boêmio aqui da cidade, fazendo uma obra aqui e outra ali para deixar o apê "com a sua cara".
Além de ostentar o cargo de "Assessora Jurídica de Nível Superior", seu perfil do Facebook passou a ser preenchido com selfies tiradas dentro de seu novo carro, selfies na frente do espelho mostrando o "look do dia", selfies em Búzios no feriadão, em Arraial no fim de semana ma-ra-vi-lho-so com as amigas, foto de pratos elegantes com cortes de carnes argentinas, e por aí vai.
Ela se esforçava para mostrar ao mundo que se deu bem na vida, e o mundo respondia com curtidas, seguidas e comentários genéricos.
Ela se esforçava para mostrar ao mundo que se deu bem na vida, e o mundo respondia com curtidas, seguidas e comentários genéricos.
"Look do dia" (foto aleatória tirada do Google Imagens) |
No meio de 2016, Vanessa, a prima dela (que por acaso é minha namorada) e eu estávamos em um bar, quando a jovem Assessora soltou a trágica notícia: seu chefe, o Desembargador, tirou licença para tratar de um câncer.
Felizmente o câncer foi descoberto em estágio inicial, e mais felizmente ainda o magistrado estava combatendo a doença em um renomado hospital paulista, então não havia motivo para entrar em pânico, disse Vanessa.
Eu respondi que realmente não era motivo para pânico, mas que ela poderia começar a guardar dinheiro, pois nunca se sabe o dia de amanhã, ainda mais em se tratando de câncer, e uma eventual morte do Desembargador significaria que ela seria exonerada de seu amado cargo de Assessora.
Vanessa ficou claramente ofendida quando mencionei a possibilidade de perder o emprego, e começou a listar seus atributos profissionais que lhe tornam insubstituível na estrutura do Tribunal.
Na visão distorcida de uma menina que realmente acha que seu trabalho é o mais importante do universo, o Poder Judiciário implodiria e mergulharia em caos caso ela fosse exonerada.
Alguns meses depois disso o Desembargador faleceu, sendo substituído por um outro magistrado recém-promovido. O novo Desembargador mandou exonerar a grande maioria dos assessores que integravam o gabinete do falecido, e dentre os demitidos se encontrava Vanessa.
Vanessa foi para o olho da rua sem fazer jus a direitos trabalhistas como seguro-desemprego ou FGTS + multa, pois seu cargo é de livre nomeação e exoneração, sem qualquer vínculo de emprego.
Como tentativa de garantir um ganha pão, Vanessa distribuiu seu currículo para todos os Desembargadores do Tribunal, para o Ministério Público e para a Assembleia Legislativa, uma estratégia que posteriormente se revelou inútil, pois ninguém mais lhe procurou.
Como a fonte de renda secou e não havia perspectiva de melhora, Vanessa teve que desocupar o apartamento que alugava, pagando multa pela desocupação antecipada e voltando a morar com os pais.
Além disso, não tinha mais bufunfa para honrar com o financiamento do carro, e por isso seu pai assumiu tal despesa.
Para não ficar feio perante a sociedade, Vanessa diz que, após a morte do Desembargador, recebeu outras ofertas de trabalho, mas resolveu recusá-las para se dedicar aos concursos públicos. É mentira.
Hoje nossa ex-assessora se diz concurseira, depende 100% dos pais, vive reclamando para a minha namorada que não tem dinheiro para nada e diz que pretende fazer mestrado na Europa, muito embora todo mundo na família saiba que ela não tem a menor condição financeira de estudar no exterior.
Alguns dias atrás minha namorada trouxe Vanessa para visitar meu recém-adquirido apartamento, e a ex-assessora soltou um "nossa, que apê pequeno, não sei se conseguiria morar aqui não".
Essa crítica entrou por um ouvido e saiu pelo outro, pois pequena é a mente da pessoa que passa 13 meses ganhando R$ 7 mil por mês e não consegue construir absolutamente nada de positivo, muito pelo contrário, tem que recorrer ao pai para pagar o saldo devedor remanescente do financiamento do passivo ambulante.
Que essa história sirva de motivação para que entremos em 2017 ainda mais focados na nossa busca pela independência financeira.
Acredito que este será o último post do ano, então desejo a todos feliz natal e próspero ano novo!
Aquele abraço!
Eu respondi que realmente não era motivo para pânico, mas que ela poderia começar a guardar dinheiro, pois nunca se sabe o dia de amanhã, ainda mais em se tratando de câncer, e uma eventual morte do Desembargador significaria que ela seria exonerada de seu amado cargo de Assessora.
Vanessa ficou claramente ofendida quando mencionei a possibilidade de perder o emprego, e começou a listar seus atributos profissionais que lhe tornam insubstituível na estrutura do Tribunal.
Na visão distorcida de uma menina que realmente acha que seu trabalho é o mais importante do universo, o Poder Judiciário implodiria e mergulharia em caos caso ela fosse exonerada.
Como reajo toda vez que alguém se diz insubstituível |
Vanessa foi para o olho da rua sem fazer jus a direitos trabalhistas como seguro-desemprego ou FGTS + multa, pois seu cargo é de livre nomeação e exoneração, sem qualquer vínculo de emprego.
Como tentativa de garantir um ganha pão, Vanessa distribuiu seu currículo para todos os Desembargadores do Tribunal, para o Ministério Público e para a Assembleia Legislativa, uma estratégia que posteriormente se revelou inútil, pois ninguém mais lhe procurou.
Como a fonte de renda secou e não havia perspectiva de melhora, Vanessa teve que desocupar o apartamento que alugava, pagando multa pela desocupação antecipada e voltando a morar com os pais.
Além disso, não tinha mais bufunfa para honrar com o financiamento do carro, e por isso seu pai assumiu tal despesa.
O bom e velho "pai"trocínio |
Hoje nossa ex-assessora se diz concurseira, depende 100% dos pais, vive reclamando para a minha namorada que não tem dinheiro para nada e diz que pretende fazer mestrado na Europa, muito embora todo mundo na família saiba que ela não tem a menor condição financeira de estudar no exterior.
Alguns dias atrás minha namorada trouxe Vanessa para visitar meu recém-adquirido apartamento, e a ex-assessora soltou um "nossa, que apê pequeno, não sei se conseguiria morar aqui não".
Que essa história sirva de motivação para que entremos em 2017 ainda mais focados na nossa busca pela independência financeira.
Acredito que este será o último post do ano, então desejo a todos feliz natal e próspero ano novo!
Aquele abraço!