Na rua onde moro tem uma galeria comercial, e na calçada em frente a essa galeria sempre tem uns hippies vendendo artesanato.
Os hippies chegam por volta das 9 horas da manhã, colocam um tapete gigante no chão, expõem suas mercadorias sobre o tapete, e ficam ali fazendo/vendendo artesanato até sete horas da noite, quando eles recolhem tudo e vão embora para o buraco de onde vieram a terra mágica dos hippies.
Figura muito comum nas grandes cidades |
Esse é um ritual que se repete todo santo dia, inclusive feriados, dias chuvosos, dias de calor intenso, não importa, eles sempre estão lá, servindo de poluição visual para a minha rotina, junto com os mendigos e os viciados em crack que ficam jogados pelas calçadas do bairro.
Os dreads horrorosos que eles têm na cabeça, as roupas de palhaço que vestem e as tralhas que vendem em cima do tapete escondem uma ironia muito grande: eles escolheram ser hippies para viver fora do sistema, e agora eles passam umas 70 horas por semana trabalhando para não morrer de fome.
Como eu me sinto quando passo pelos hippies |
Mas não é sobre os hippies da minha rua que eu quero falar no post de hoje, e sim sobre um artigo que li na semana passada.
O artigo, originalmente publicado no Estadão, se chama "A geração que encontrou o sucesso no pedido de demissão", e fala sobre como os nossos pais são de uma geração excessivamente focada na construção de uma carreira profissional, e que talvez caiba a nossa geração quebrar esse paradigma, a exemplo do "amigo formado em comércio exterior que resolveu largar tudo para trabalhar num hostel em Morro do São Paulo, amigo com cargo fantástico em empresa multinacional que resolveu pedir as contas porque descobriu que só quer fazer hambúrguer", dentre outros exemplos utilizados pela colunista.
Ainda segundo a colunista, nossa geração sofre de uma crise nervosa por termos herdado, dos nossos pais, um conceito de sucesso baseado em carreira profissional/dinheiro, e que talvez seja hora de:
É um discurso que trata de maneira muito simplória uma questão complexa, e quem se deixa seduzir por esse papo corre sério risco de tomar no furico, para não dizer coisa pior.
A geração dos nossos pais é focada em trabalho e dinheiro por um motivo muito simples: sobrevivência.
É a primeira geração pós-êxodo rural, em que o Brasil deixou de ser um grande fazendão e passou a se urbanizar/industrializar, substituindo a vida da grande família no campo por relações socioeconômicas urbanas complexas onde ou você trabalha e faz dinheiro, ou você não vai ter onde dormir ou o que comer.
E o que mudou desde então, para justificar que sejamos uma geração carpe diem de hippies urbanos, como propõe a colunista?
Aliás, as coisas mudaram sim, mas para a pior: há mais população, mais violência, mais competitividade, mais desemprego e mais dificuldade em conseguir uma vida digna.
Dentro de um contexto desses, nós temos ainda mais motivos para nos preocuparmos com emprego e finanças do que os nossos pais tinham, e a sugestão de que nos tornemos uma geração "carpe diem", de "hippies urbanos" se torna algo extremamente dissociado da realidade, exceto se:
1) Você tem família rica e tem pra onde correr caso você canse de brincar de empregado de hostel em Morro do São Paulo.
2) Você vive em país desenvolvido em que é possível viver dignamente mesmo com trabalhos manuais, o que lhe permite largar e arranjar um emprego a hora que você bem entender, e sugar benefícios sociais entre um trabalho fixo e outro.
Se você não preenche pelo menos um dos dois requisitos acima e ainda assim quer largar sua carreira para "viver com dinheiro contadinho", tal qual disse a autora, pergunto-lhe:
Uma vida sem preocupação com o dinheiro pode ser o seu conceito de felicidade hoje, mas será que você terá essa opinião em três, cinco, dez, vinte anos?
Caso você mude de opinião, você acha que será fácil reingressar no mercado de trabalho que te garantia uma remuneração digna, ou o gap no seu currículo te colocará abaixo dos concorrentes?
Você está a fim de depender do SUS se tiver problemas de saúde?
Vai depender do INSS quando se aposentar?
Vai se achar o bem vivido quando chegar aos 40 anos contando moedinha pra pagar a conta de luz?
Assim como a colunista, eu sou um entusiasta da busca pela felicidade.
Mais do que isso: acredito piamente que felicidade não é sinônimo de acúmulo de bens materiais, e que pessoas infelizes devem refletir bem sobre o assunto visando reverter o estado em que se encontram.
No entanto, a busca da felicidade não deve passar pela tomada de decisões financeiramente estúpidas, a não ser que você ache que viver com orçamento apertado num país subdesenvolvido seja uma boa ideia (e se você acha isso, eu sinceramente nem sei mais o que te dizer).
Dos hippies mencionados no começo deste post à geração de hippies urbanos proposta pela colunista, é sempre bom lembrar de um detalhe muito importante: a conta sempre chega!
Aquele abraço!
Ainda segundo a colunista, nossa geração sofre de uma crise nervosa por termos herdado, dos nossos pais, um conceito de sucesso baseado em carreira profissional/dinheiro, e que talvez seja hora de:
[...] aceitar que nosso modelo de sucesso é outro. Talvez uma geração carpe diem. Uma geração de hippies urbanos. Caso contrário não teríamos tanta inveja oculta dos amigos loucos que "jogaram diploma e carreira no lixo". Talvez - mera hipótese - os loucos sejamos nós, que jogamos tanto tempo, tanta saúde e tanta vida, todo santo dia, na lata de lixo.Enfim, a colunista encampa um discurso que todo mundo já conhece: o larga tudo e vai ser feliz.
Essa suruba de ursinhos carinhosos foi a melhor imagem que encontrei para representar a meiguice do discurso em questão
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A geração dos nossos pais é focada em trabalho e dinheiro por um motivo muito simples: sobrevivência.
É a primeira geração pós-êxodo rural, em que o Brasil deixou de ser um grande fazendão e passou a se urbanizar/industrializar, substituindo a vida da grande família no campo por relações socioeconômicas urbanas complexas onde ou você trabalha e faz dinheiro, ou você não vai ter onde dormir ou o que comer.
E o que mudou desde então, para justificar que sejamos uma geração carpe diem de hippies urbanos, como propõe a colunista?
Aliás, as coisas mudaram sim, mas para a pior: há mais população, mais violência, mais competitividade, mais desemprego e mais dificuldade em conseguir uma vida digna.
Dentro de um contexto desses, nós temos ainda mais motivos para nos preocuparmos com emprego e finanças do que os nossos pais tinham, e a sugestão de que nos tornemos uma geração "carpe diem", de "hippies urbanos" se torna algo extremamente dissociado da realidade, exceto se:
1) Você tem família rica e tem pra onde correr caso você canse de brincar de empregado de hostel em Morro do São Paulo.
2) Você vive em país desenvolvido em que é possível viver dignamente mesmo com trabalhos manuais, o que lhe permite largar e arranjar um emprego a hora que você bem entender, e sugar benefícios sociais entre um trabalho fixo e outro.
Se você não preenche pelo menos um dos dois requisitos acima e ainda assim quer largar sua carreira para "viver com dinheiro contadinho", tal qual disse a autora, pergunto-lhe:
Uma vida sem preocupação com o dinheiro pode ser o seu conceito de felicidade hoje, mas será que você terá essa opinião em três, cinco, dez, vinte anos?
Caso você mude de opinião, você acha que será fácil reingressar no mercado de trabalho que te garantia uma remuneração digna, ou o gap no seu currículo te colocará abaixo dos concorrentes?
Você está a fim de depender do SUS se tiver problemas de saúde?
Vai depender do INSS quando se aposentar?
Vai se achar o bem vivido quando chegar aos 40 anos contando moedinha pra pagar a conta de luz?
Boa sorte com isso |
Mais do que isso: acredito piamente que felicidade não é sinônimo de acúmulo de bens materiais, e que pessoas infelizes devem refletir bem sobre o assunto visando reverter o estado em que se encontram.
No entanto, a busca da felicidade não deve passar pela tomada de decisões financeiramente estúpidas, a não ser que você ache que viver com orçamento apertado num país subdesenvolvido seja uma boa ideia (e se você acha isso, eu sinceramente nem sei mais o que te dizer).
Dos hippies mencionados no começo deste post à geração de hippies urbanos proposta pela colunista, é sempre bom lembrar de um detalhe muito importante: a conta sempre chega!
Aquele abraço!