Moro relativamente perto de uma universidade e todo começo de semestre acontece a mesma coisa: calouros recém-aprovados no vestibular tomam as ruas pedindo grana nos sinais e vendendo rifas, tudo com o intuito de juntar dinheiro e promover festas.
Festinhas universitárias regadas a muita paquera e azaração |
No começo do mês passado estava andando rumo ao trabalho e fui cercado por cinco calouras. Elas queriam me vender rifas e usar meu suado dinheiro para financiar suas festinhas espúrias em que alguém sempre termina hospitalizado pra tomar glicose para não entrar em coma alcoólico.
Ostentei meu poderio econômico ao pagar dois reais em uma rifa e as jovens saíram do meu caminho.
Cheguei no trabalho, parei para prestar atenção na rifa e vi que eu estava concorrendo a cinco prêmios diferentes, sendo o melhor deles uma bicicleta, e o pior deles um voucher para fazer cabelo e barba de graça numa barbearia "gourmetizada".
Enfiei a rifa nas profundezas de uma gaveta e esqueci desse assunto, até que no fim do mês passado recebi uma ligação de um estranho que me deu a boa notícia: o número da minha rifa foi sorteado e eu ganhei o tal voucher da barbearia.
Essa é a maior sorte que tive em um sorteio desde que ganhei um CD do É o Tchan no Havaí em 1998, então fiquei levemente satisfeito por ter sido contemplado, mesmo que com o pior dos prêmios disponíveis.
Pra fazer bom uso do voucher, deixei o cabelo e barba crescerem o máximo que pude, pra chegar na barbearia com aparência do Tom Hanks naquele filme "O Náufrago".
Essa é uma daquelas barbearias "gourmetizadas" que toda cidade grande tem, criadas para serem "espaços exclusivos para homens", um espaço masculino onde você pode beber cerveja artesanal ao som de blues enquanto folheia uma playboy, tudo meticulosamente planejado pra fazer o cliente se sentir especial.
É um lugar muito diferente da barbearia que eu frequento, que é um muquifo onde o dono cobra tão barato pelo corte de cabelo que ele precisa dirigir Uber na madrugada para conseguir equilibrar as contas.
Cheguei lá e fui recepcionado por um cara de suspensórios e barba de lenhador, um típico hipster que expressa sua individualidade se vestindo igual a todos os outros hipsters.
Falei que ganhei um voucher na rifa e os demais hipsters que trabalhavam no recinto vieram me cumprimentar com um falso entusiasmo de doer o coração.
"Primeira vez aqui, bróder?", "Quer uma gelada?", "Senta aí, bróder, a gente já vai te atender! Quer a senha do Wifi?".
Sentei num sofá e, na falta de coisa melhor pra fazer, fiquei observando o ambiente.
A primeira coisa que me chamou a atenção, além do ambiente vintage, foi uma placa com o preço dos serviços. Corte de cabelo com tesoura + barba totalizavam R$ 100,00. Isso mesmo, amigos, 100 joesleys para cortar cabelo e barba. Ainda bem que eu tinha o voucher.
Depois disso prestei atenção na conversa entre os clientes e os hipsters que cortavam seus cabelos: "Corolla é melhor que Civic", "o segredo da boa cerveja artesanal está na acidez do lúpulo", "eu trabalho numa plataforma e chefio uma equipe de 80 homens". Só papo de homem de sucesso.
Chegou minha vez de ser atendido e o mesmo hipster que me recepcionou passou a cortar meu cabelo.
"Curtiu o espaço, bróder?"
"Sim, legal, só o preço assustou um pouco".
"Bróder, sobre o preço... aqui tem todo um conceito, você trabalhou o dia todo, quer um lugar pra relaxar, você chega aqui, senta no sofá, toma uma gelada, ouve uma música, recebe um tratamento especial, joga conversa fora, é toda uma experiência, não é um salão comum igual esses que tem por aí, aqui tem esse lance da experiência".
Concordei com o cabeleireiro hipster em nome da diplomacia, afinal estava ganhando corte de cabelo e barba de graça, então achei mais sensato usufruir do serviço sem ficar contrariando o camarada.
Cabelo cortado e barba feita, me preparei para ir embora e o hipster perguntou se eu ia voltar no mês que vem para cortar de novo. Eu respondi que ia voltar assim que ganhasse outro voucher, ele riu achando que era piada, eu me despedi e fui embora.
Fui andando pra casa pensando nesse lance da experiência.
Toda cidade grande já tem as suas barbearias gourmetizadas para homens, o que é um forte indício de que muita gente quer sim viver a tal da experiência que esses locais oferecem.
Paga-se o dobro, talvez o triplo do preço, pra sentar num sofá estilizado em um ambiente vintage, comprar uma cerveja a preço extorsivo e ficar lá se sentindo mais másculo enquanto relaxa com os miguxos do clube do bolinha.
Gourmetizaram a barbearia para atender à demanda de homens que precisam se sentir especiais até mesmo na hora de cortar o cabelo.
Amigo, é só cabelo! Você chega, corta, paga e vai embora. Que carência é essa que a galera está sentindo pra pagar mais caro pra transformar algo tão simples numa "experiência masculina"?
Isso me parece apenas mais uma armadilha pra pegar dinheiro de trouxa. Algo não muito diferente de pipoca gourmet, Uber Select e outras coisas inventadas para fazer a rapaziada gastar uma grana a mais em algo que eles atingiriam o mesmo resultado final se tivessem pago mais barato, tudo isso só pra se sentir diferenciado, especial, nobre, refinado ou qualquer outro sentimento que eu não sei explicar qual é.
Aquele abraço!
Ostentei meu poderio econômico ao pagar dois reais em uma rifa e as jovens saíram do meu caminho.
Cheguei no trabalho, parei para prestar atenção na rifa e vi que eu estava concorrendo a cinco prêmios diferentes, sendo o melhor deles uma bicicleta, e o pior deles um voucher para fazer cabelo e barba de graça numa barbearia "gourmetizada".
Enfiei a rifa nas profundezas de uma gaveta e esqueci desse assunto, até que no fim do mês passado recebi uma ligação de um estranho que me deu a boa notícia: o número da minha rifa foi sorteado e eu ganhei o tal voucher da barbearia.
Essa é a maior sorte que tive em um sorteio desde que ganhei um CD do É o Tchan no Havaí em 1998, então fiquei levemente satisfeito por ter sido contemplado, mesmo que com o pior dos prêmios disponíveis.
Em 1998 ganhei esse CD. Em 2017 ganhei corte de cabelo e barba. A sorte está crescendo exponencialmente e em 2036 ganharei R$ 50,00 na raspadinha da lotérica. |
Como eu queria chegar na barbearia |
É um lugar muito diferente da barbearia que eu frequento, que é um muquifo onde o dono cobra tão barato pelo corte de cabelo que ele precisa dirigir Uber na madrugada para conseguir equilibrar as contas.
E lá fui eu, pela primeira vez, rumo à barbearia gourmetizada |
Falei que ganhei um voucher na rifa e os demais hipsters que trabalhavam no recinto vieram me cumprimentar com um falso entusiasmo de doer o coração.
"Primeira vez aqui, bróder?", "Quer uma gelada?", "Senta aí, bróder, a gente já vai te atender! Quer a senha do Wifi?".
Sentei num sofá e, na falta de coisa melhor pra fazer, fiquei observando o ambiente.
A primeira coisa que me chamou a atenção, além do ambiente vintage, foi uma placa com o preço dos serviços. Corte de cabelo com tesoura + barba totalizavam R$ 100,00. Isso mesmo, amigos, 100 joesleys para cortar cabelo e barba. Ainda bem que eu tinha o voucher.
Depois disso prestei atenção na conversa entre os clientes e os hipsters que cortavam seus cabelos: "Corolla é melhor que Civic", "o segredo da boa cerveja artesanal está na acidez do lúpulo", "eu trabalho numa plataforma e chefio uma equipe de 80 homens". Só papo de homem de sucesso.
Chegou minha vez de ser atendido e o mesmo hipster que me recepcionou passou a cortar meu cabelo.
"Curtiu o espaço, bróder?"
"Sim, legal, só o preço assustou um pouco".
"Bróder, sobre o preço... aqui tem todo um conceito, você trabalhou o dia todo, quer um lugar pra relaxar, você chega aqui, senta no sofá, toma uma gelada, ouve uma música, recebe um tratamento especial, joga conversa fora, é toda uma experiência, não é um salão comum igual esses que tem por aí, aqui tem esse lance da experiência".
A tal da experiência que supostamente justifica o preço dos salões gourmetizados para homens |
Concordei com o cabeleireiro hipster em nome da diplomacia, afinal estava ganhando corte de cabelo e barba de graça, então achei mais sensato usufruir do serviço sem ficar contrariando o camarada.
Cabelo cortado e barba feita, me preparei para ir embora e o hipster perguntou se eu ia voltar no mês que vem para cortar de novo. Eu respondi que ia voltar assim que ganhasse outro voucher, ele riu achando que era piada, eu me despedi e fui embora.
Adeus para sempre, barbearia gourmetizada |
Toda cidade grande já tem as suas barbearias gourmetizadas para homens, o que é um forte indício de que muita gente quer sim viver a tal da experiência que esses locais oferecem.
Paga-se o dobro, talvez o triplo do preço, pra sentar num sofá estilizado em um ambiente vintage, comprar uma cerveja a preço extorsivo e ficar lá se sentindo mais másculo enquanto relaxa com os miguxos do clube do bolinha.
Gourmetizaram a barbearia para atender à demanda de homens que precisam se sentir especiais até mesmo na hora de cortar o cabelo.
Amigo, é só cabelo! Você chega, corta, paga e vai embora. Que carência é essa que a galera está sentindo pra pagar mais caro pra transformar algo tão simples numa "experiência masculina"?
Isso me parece apenas mais uma armadilha pra pegar dinheiro de trouxa. Algo não muito diferente de pipoca gourmet, Uber Select e outras coisas inventadas para fazer a rapaziada gastar uma grana a mais em algo que eles atingiriam o mesmo resultado final se tivessem pago mais barato, tudo isso só pra se sentir diferenciado, especial, nobre, refinado ou qualquer outro sentimento que eu não sei explicar qual é.
Aquele abraço!